domingo, 29 de março de 2009

Os contos de Pedro Malasartes








ão podia iniciar os comentários por outro que não fosse o grande malandro Pedro Malasartes. A origem deste caipira malandro não se sabe ao certo mas, embora ele tenha todas as características do caipira brasileiro, sabe-se que não é brasileira. Pedro Malasartes é um personagem que está presente no folclore de diversos países. Mesmo o grande romancista, dramaturgo e poeta espanhol Miguel de Cervantes Saavedra, escreveu sobre este ícone em sua comédia PEDRO DE URDEMALAS, que compõe o livro Ocho comedias y ocho entremeses nuevos (1615).













No Brasil, Pedro Malasartes se tornou uma especie de Robin Hood tupiniquim. Adorado pelo sertanejo, que ovaciona suas histórias, este ícone que ficou, famoso graças a sua difusão na tradição oral, teve um conto muito interessante, com nuances de origem, escrito pelo grande folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo:

Um casal de velhos possuía dois filhos homens, João e Pedro, este tão astucioso
e vadio que o chamavam Pedro Malazarte. Como era gente pobre, o filho mais velho
saiu para ganhar a vida e empregou-se numa fazenda onde o proprietário era rico
e cheio de velhacarias, não pagando aos empregados porque fazia contratos
impossíveis de cumprimento. João trabalhou quase um ano e voltou quase morto. O
patrão tirara-lhe uma tira de couro desde o pescoço até o fim das costas e nada
mais lhe dera. Pedro ficou furioso e saiu para vingar o irmão.
Procurou o
mesmo fazendeiro e pediu trabalho. O fazendeiro disse que o empregava com duas
condições; não enjeitar serviços e do que primeiro ficasse zangado tirava o
outro uma tira de couro. Pedro Malazarte aceitou.
No primeiro dia foi
trabalhar numa plantação de milho. O patrão mandou que uma cachorrinha o
acompanhasse. Só podia voltar quando a cachorra voltasse para casa. Pedro meteu
o braço no serviço até meio-dia. A cachorrinha deitada na sombra nem se mexia.
Vendo que era combinação Malazarte largou uma paulada na cachorra que esta saiu
ganindo e correu até o alpendre da casa. O rapaz voltou e almoçou. Pela tarde
nem precisou bater na cachorra. Fez o gesto e o bicho voou no caminho.
No
outro dia o fazendeiro escolheu outra tarefa. Mandou-o limpar a roça de
mandioca. Pedro arrancou toda plantação, deixando o terreno completamente limpo.
Quando foi dizer ao patrão o que fizera este ficou feio.
- Zangou-se, meu
amo?
- Não senhor, - respondeu o patrão.
No outro dia disse que Pedro
trouxera o carro de bois carregado de pau sem nós. Malazarte cortou quase todo o
bananal, explicando que bananeira é pau que não tem nó. O patrão ficou frio:
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor.
No outro dia mandou-o levar o
carro, com a junta de bois, para dentro de uma sala numa casinha perto, sem
passar pela porta. E para melhor atrapalhar, fechou a porta e escondeu a chave.
Malazarte agarrou um machado e fez o carro em pedaços, matou os bois,
esquartejou-os e sacudiu, carnes e madeiras, pela janela, para dentro da sala. O
patrão, quando viu, ficou preto:
- Zangou-se, meu amo?
- Não senhor.
Mandou vender na feira um bando de porcos. Malazarte levou os porcos, cortou
as caudas e vendeu-os todos por um bom preço. Voltando enterrou os rabinhos num
lamaçal e chegou em casa gritando que a porcada esta atolada no lameiro. O
patrão foi ver e deu o desespero. Malazarte sugeriu cavar com duas pás. Correu
para casa e pediu à dona que lhe entregasse dois contos de réis. A velha não
queria mas o rapaz para certificá-la, perguntava ao patrão por gestos se devia
levar um ou dois, e mostrava os dedos. Ante aos gritos do amo, a velha entregou
o dinheiro ao Pedro. Voltou para o lameiro e começou a puxar a cauda de cada
porco que dizia estar enterrado. Ia ficando com todas na mão. O patrão ficou
suando mas não deu mostras de zanga. E Pedro ainda negou que tivesse recebido
dinheiro.
Vendo que ficava pobre com aquele empregado, o fazendeiro resolveu
matá-lo o mais depressa possível, de um modo que não o levasse à justiça. Disse
que andava um ladrão rondando o curral e deviam vigiar, armados, para prender ou
afugentar a tiros. A idéia era atirar em Malazarte e dizer que se tinha
enganado, supondo-o um malfeitor. De noite o fazendeiro foi para o curral e
Pedro devia substituí-lo ao primeiro cantar do galo. Quando o galo cantou,
Malazarte acordou a velha e disse que o marido a esperava no curral, e que
levasse a outra espingarda, porque ele, Pedro, ia fazer o cerco pelo outro lado.
A velha apanhou a carabina e foi, sendo morta pelo fazendeiro com um tiro certo
de que abatia, pelo vulto, o atrevido criado. Assim que a velha caiu, Pedro
apareceu chorando e acusando o amo. Este, assombrado pagou muito dinheiro para
não haver conhecimento da justiça e ofereceu ainda mais dinheiro se o Malazarte
se fosse embora, sem mais outra proeza. O rapaz aceitou e voltou rico para casa
dos pais.


Percebemos aí que Malasartes (ora grafado assim, ora grafado em Malazarte), parecia, inicialmente, ter grande senso de justiça, querendo punir poderosos que se aproveitavam de seu status e condição econômico/social para tirar proveito de pessoas menos favorecidas.

Entretanto, em diversos outros contos, percebemos que Pedro quer tirar vantagem em interesse próprio, como na Lenda dos Porcos, tida como uma de sua mais famosa história:
Pedro Malasartes conseguiu um emprego numa fazenda de porcos. Porém, o salário era pequeno demais para o ambicioso Pedro.Planejou um golpe: quando o seu patrão mandou tomar conta de quatro porcos, o enganador vendeu-os todos, mas os vende sem os rabo. Pedro enterrou os rabos na terra, e quando seu patrão chegou disse que os porcos haviam se enterrado no atoleiro. Seu patrão mandou-lhe pegar duas enxadas para salvar os supostos porcos enterrados. O esperto ambicioso foi logo pensando no dinheiro e teve uma idea. Disse à esposa de seu patrão para pegar as duas maletas em que o patrão guarda suas economias. A mulher, estranhando, mandou Pedro confirmar. E ele disse: 'Patrão, não é para pegar as duas?', e ele respondeu 'Sim, as duas'. Então, Pedro pegou as malas e saiu todo feliz com o salário, o dinheiro dos porcos vendidos e as maletas com as economias de seu pobre patrão que já não tinha mais nada.

Suas histórias se tornaram tão famosas e cativantes que diversos outros segmentos culturais também a quiseram reproduzir. Com o título Pedro Malazarte e a Arara Gigante, foi lançado o espetáculo infantil dirigido por Bob Bahlis e escrito por Jorge Furtado.



Crédito da foto: Vilmar Carvalho


No cinema, este fora interpretado por ninguém menos que Amacio Mazzaropi, no filme As Aventuras de Pedro Malasartes, de 1960.



“ Não sei a origem do seu nascimento
no meu pensamento ele veio de marte
Talvez ele seja de outro planeta
Pior que o capeta só fazia arte
Seu tipo gozado seu jeito manhoso
Ficou fabuloso por todas as partes
Seu nome completo não foi conhecido
Mas seu apelido é Pedro Malazarte

Assim era Pedro muito inteligente
Não tinha parente nem destino certo
Não era assassino nem homem covarde
Dizia a verdade era muito esperto
Se existe um ditado é que toda maldade
Mais cedo ou mais tarde será descoberta
As artes do Pedro se alguém descobria
O Pedro já ia pra outro deserto

Em todos os lugares que ele chegava
Dizia que estava sem “colocação”
Com muita conversa
Num papo danado
Já era ajustado com muita atenção
Tudo que mandava ele atendia
Mas tudo fazia na sua opinião
Mas com muito tempo, era despachado,
Se não empregado, virava patrão

Assim foi vivendo na base da trama
E a sua fama se esparramou
Até a princesa de um grande reinado
Pelos seus agrados se apaixonou
Sabendo a verdade o rei soberano
Traçou vários planos mas não adiantou
O resto da história eu conto de uma vez
Com a filha do rei o Pedro se casou.”


Até música o malandro virou! Composta por Samuel Gervázio de Oliveira e José Sônigo a canção O Pedro Malazarte foi gravada pela dupla Zé Tapera e Teodoro no disco Surpresa Da Vida (1969), que também gravaram a célebre Fuscão Preto, de Atílio Versuti e Jeca Mineiro.

Além desta composição, ainda na música, temos sua vertente também na música erudita. O esperto personagem do folclore brasileiro foi tornado ópera em Malazarte, de Lorenzo Fernândez e Graça Aranha, escrita entre 1931 e 1933, e Pedro Malazarte, de Camargo Guarnieri e Mário de Andrade, escrita em 1932.
Pedro Malazarte se tornou um grande representante da cultura popular brasileira e suas histórias conseguem ter uma crítica social muito suave o que as tornam interessantes e divertidas.

REFERÊNCIAS:
http://www.abrasoffa.org.br/folclore/lendas/malasartes.htm
http://www.agapea.com/libros/Ocho-comedias-y-ocho-entremeses-nuevos-isbn-8460035379-i.htm
http://www.anppom.com.br/
http://www.bangue.com.br/pedro.pdf
http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/cerv/01305053199460838422680/index.htm
http://pt.wikipedia.org/
http://es.wikipedia.org/
http://www.guesaerrante.com.br/
http://www.interfilmes.com/
http://www.jangadabrasil.com.br/novembro39/im39110c.htm
http://www.letras.com.br/biografia/ze-tapera-e-teodoro
http://letras.terra.com.br/ze-tapera-teodoro
http://saudade-da-minha-terra.blogspot.com/
http://www.zap-letras.com/
http://www.youtube.com/

O CONTO E SUA ESTRUTURA

O conto é um texto de pequena extensão, normalmente bem curto (menor que a novela ou o romance) e empolgante, o que torna este limitado aos fatos relevantes. O enredo, basicamente, uma estrutura que começa com uma breve apresentação, depois a história é levada a uma pequena “complicação”, atingindo aí o seu clímax e culminando com um desfecho, que, em alguns casos, deixa o final do conto em aberto, cabendo ao leitor colocar suas próprias impressões sobre o fato e criar o seu fim de fato.
Quanto ao gênero é apresentado em forma de narrativa e quanto à forma de escrever em prosa. Este gênero apresenta grande flexibilidade, podendo até mesmo tornar-se bem parecido com uma crônica ou uma poesia. Alguns historiadores acreditam que este gênero descenda do mito, da lenda, da parábola, do conto de fadas e, até mesmo, das anedotas.

Embora seja composto de todos os elementos de uma narrativa, tem poucos personagens o que delimita, consubstancialmente, o tempo e o espaço. Apresenta apenas um clímax, enquanto em um romance, por exemplo, a obra vai se desdobrando através de vários outros conflitos, que podem ser entendidos como secundários. Isto faz o conto ser sucinto.
A origem do Conto, enquanto forma literária, é pouco divergente, entretanto imprecisa já que o primeiro momento em que se pode perceber o uso dessa estrutura foi numa fase oral, conforme estudos de Vladimir Propp (A morfologia do conto maravilhoso), pois, mesmo havendo textos que podem ser considerados contos desde O livro do mágico, que data de cerca de 4000 a.C. (momento em que é registrado o início da fase escrita dos contos, no Egito) até à Bíblia, entende-se que Giovanni Boccaccio (1313 – 1375), no século XIV, estabeleceu as bases dessa forma narrativa em seu livro Decameron. O conto, na verdade, nasceu de maneira humilde e anônima e era um relato simples e despretensioso de situações fictícias para ser apreciado em momentos de entretenimento.
Então, o conto cria um universo paralelo onde seres fictícios vivem situações de seu cotidiano fantasioso, às vezes próximos do real, mas com o intuito de criar um estranhamento através de uma leitura da sociedade. Ele apresenta um narrador, personagens e enredo, mas também um ponto de vista, o que faz com que a obra tenha um caráter mais ou menos agressivo enquanto crítica social.
A melhor maneira de compreender um conto seria inicialmente fazer uma primeira leitura deste e depois tentar levantar informações sobre o seu autor, sua biografia, para se situar no universo deste. Normalmente um conto não é publicado isoladamente, às vezes faz parte de uma obra maior. Depois disto devemos tentar compreender as palavras utilizadas, a escolha destas não é casual, então devemos tentar perceber porque fora usada esta e não uma outra que tenha o mesmo significado. O título também é muito significativo, tentar descobrir, no texto, o que levou o autor a optar por este título deixa o leitor mais sagaz. A partir de então, podemos começar a analisar propriamente o texto e para tanto, algumas perguntas hão de se tornar uma constante, tais como QUEM?, POR QUE?, ONDE?, COMO?, QUANDO?.
Existem grandes especialistas em análise de contos, conhecer a sua visão sobre a estrutura de um conto torna mais fácil e prazerosa a leitura de qualquer destes. A professora Heidi Strecker dá dicas de grande importância e utilidade para quem quer começar a ler contos ou aprimorar-se no entendimento destes.

Alessandro Freitas